terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

As repercussões do Regime Jurídico do Serviço de Transporte de Passageiros e do novo Sistema de Tarifário

Opinião| As repercussões do Regime Jurídico do Serviço de Transporte de Passageiros e do novo Sistema de Tarifário


ANTEPROJETO REGIME JURÍDICO DO SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS E NOVO SISTEMA TARIFÁRIO – REFORMULAÇÃO/EXPANSÃO
Por onde se caminha? Em que direção nos levam? Razões aduzidas pelos nossos governantes? Repercussões no concelho de Palmela? Por onde queremos ir?
Quanto às duas primeiras questões: Por onde se caminha? Em que direção nos levam? Responde-se, à privatização, e à destruição de um modelo de serviço público, tal como definido na Constituição da República Portuguesa, à subversão dos princípios e valores nele assentes, por razões meramente economicistas. O nosso governo bicolor, a coberto do “pacto” com a TRÓIKA” pretende entregar a privados a exploração dos serviços públicos de transporte. Um setor estratégico para o país, um direito constitucionalmente reconhecido à população portuguesa, uma atribuição e competência do Estado. Mercantilizam, assim, os nossos governantes, um setor que por direito é de todos nós, sujeitando esse direito às regras de mercado onde o objetivo principal não é servir, mas sim o lucro. Este governo torna-se conivente, diria mesmo responsável pela subversão da pirâmide dos valores subjacente à missão de servir o público – prossecução do interesse público.
Quais as razões aduzidas pelo Governo PSD/CDS, para as mudanças pretendidas para o setor?
R: As justificações que nos são dadas prendem-se, segundo os nossos governantes, com a promoção da eficiência na prestação do serviço público, como se a eficiência fosse um atributo e só das gestões privadas, e assegurar o cumprimento das obrigações de serviço público de acordo com elevados padrões de qualidade e segurança, como se a segurança e a qualidade fossem atributos, competências, próprias e só de uma gestão privada. A verdadeira razão que subjaz às pretendidas mudanças são antes opções políticas, plasmadas em propostas de alteração ao regime dos transportes públicos de passageiros e alterações propostas no sistema tarifário com implicações negativas na Área Metropolitana de Lisboa e como tal no nosso Distrito – Setúbal, no meu Concelho – Palmela.
Repercussões no concelho de Palmela caso sejam aprovados o Regime Jurídico do Serviço de Transporte de Passageiros e a alteração ao sistema Tarifário?
Partilho convosco os impactes, no Concelho de Palmela. Para melhor perceção desses impactes, há que ter presente que Palmela é um concelho com cerca de 470 km2, um concelho de natureza mista, onde o rural “convive” com a indústria. Onde a essa grande dispersão geográfica se associa uma grande dispersão populacional que carateriza a natureza rural. Um concelho onde uma das freguesias rurais, fruto da extinção de freguesias, é maior que muitos concelhos portugueses, facto que associado à supressão de carreiras que ao longo dos tempos temos vindo a sofrer, remete a sua população para um maior isolamento, privando-a de uma rede de transportes públicos que vá ao encontro das necessidades primárias neste setor e do que constitucionalmente lhes é reconhecido.
R: Feito este pequeno enquadramento, as recentes propostas de alterações da política nacional para o setor ignoram, por um lado, a extensão do nosso território, bem como a rede de transportes coletivos disponível, diria mesmo “indisponível”, por outro lado as alterações propostas oneram fortemente as deslocações internas ao próprio território municipal. Mais, o novo desenho das “coroas” e “setores” e a proposta de pagamento extra pela utilização da FERTAGUS, implica uma penalização do transporte ferroviário, aquele meio de transporte que é “mais amigo” do ambiente.
Cingindo-me apenas a algumas das alterações propostas, a que considero mais preocupante é a falta de garantia de serviço público efetivo. E porquê a falta de garantia de serviço público?
Porque, desde logo estabelece no nº3 do art.º 1º do Anexo a que se refere o artigo 13º do Anteprojeto, que fica excecionada a aplicação de índices mínimos de serviço quando se revele “desproporcionadamente difícil” ou quando “requer a aplicação de meios económico-financeiros desproporcionados ou não disponíveis”.
Ora, “desproporcionadamente difícil” é um conceito juridicamente indeterminado que, por isso, deixa à discricionariedade da apreciação subjetiva a avaliação, logo com abertura para o sacrifício do serviço à lógica do lucro.
Aliás, condicionar o serviço público à disponibilidade de meios, ao invés de o associar à mobilização destes para garantir aquele, inverte-se o ónus da prestação, uma vez mais – mostra-nos a experiência – em defesa dos operadores em detrimento das garantias dos cidadãos. Ou seja no vértice da pirâmide ao invés de estar a população, principal destinatário do serviço público de transporte, estão os operadores. E é dos interesses dos operadores de transporte que os nossos governantes estão a cuidar.
Além de estabelecer esta cláusula de inegável contradição, ou até mesmo violação, com o reconhecimento constitucional para os utentes a um serviço público de transporte, a favor dos potenciais operadores, nem quanto à regra o legislador garante o serviço público. Porquanto, os níveis mínimos de serviço determinado, especialmente para os perímetros urbanos com menos de 50.000 habitantes, não garantem a coesão territorial, nem social, nem económica, ferindo os princípios anunciados no próprio diploma e consagrados pela Constituição da República Portuguesa. Os níveis propostos no diploma quanto à cobertura territorial, cobertura temporal ou conforto ignoram as novas centralidades, não se adequam à atual realidade laboral e escolar, com horários cada vez mais díspares e afastamento dos estudantes dos centros escolares, e não têm em atenção a necessidade, tão desejada, de garantia de articulação/ intermodalidade entre transportes públicos.
As zonas com menor densidade populacional, nomeadamente fora dos perímetros urbanos, ficam mais desprotegidas. Aliás, com o facto de se estabelecer uma cobertura temporal, em que o período de funcionamento fica entre as 07h00 e as 20h00, a disposição legal não serve, sequer, as comunidades em que se verifica unidades com laboração por turnos, escolas com horários noturnos, etc.
Pelo exposto, é dizer não a estas propostas, por não se encontrarem defendidos os interesses dos cidadãos, nem a justiça, nem a coesão; e por não estar garantida a efetiva promoção do transporte público, com previsível impacte negativo no desenvolvimento sustentável dos territórios.
Acresce referir que o novo regime tarifário proposto determina um aumento dos preços/tarifa, representando, nalguns casos um aumento de 20%, no nosso território – Concelho de Palmela.
Quanto ao modelo de financiamento do sistema, é difícil aceitá-lo, porque,
  1. Em causa está o aumento tarifário, o qual é suportado pelos utentes, o que se rejeita, em face da sobrecarga, nomeadamente fiscal, mas não só, que a população portuguesa tem vindo a sofrer, fruto das políticas nacionais;
  2. Em causa está um dever do Estado;
  3. Acima de tudo, o modelo de financiamento está baseado num estudo que conclui pela inevitabilidade do aumento da tarifa, mas não esclarece como se chega a essa inevitabilidade. Falta fornecer a todos nós, e de forma transparente, a fundamentação económico-financeira, para que possamos de forma séria perceber como se chega a esses valores tarifários e de forma plena exercer o nosso direito de contraditório. Acresce referir, que o dito estudo parte de duas premissas de todo inaceitáveis. Uma delas, a da inviolabilidade da receita garantida aos operadores, invertendo-se a pirâmide dos valores subjacentes à missão de serviço público (existe uma clara preocupação em garantir a receita dos operadores, mais do que servir e assegurar aos utentes verdadeira razão da existência de um serviço público de transporte), a outra premissa, a de não aumentar o financiamento pelo estado, para este setor. Ora, mais do que um estudo, deparamo-nos sim, com uma posição de princípio, uma clara posição política, a qual se rejeita, a bem da defesa dos direitos dos utentes dos transportes públicos. Rejeita-se, porque há outras formas de promover a sustentabilidade do setor. Basta pensar que a procura aumenta quando em causa estão preços/tarifas mais competitivas. Baixar o valor da tarifa fará, certamente, aumentar a procura, e é por isso que todos nós devemos lutar. Pois, o que temos hoje não serve. Não serve porque é dispendioso, porque não se coaduna, no nosso concelho, quer em termos de horários, quer em termos do número de carreiras (nomeadamente em termos de transporte rodoviário), com as necessidades da população. Com esta desadequação é inevitável que a população recorra ao transporte individual como alternativa e diminua o número de utentes. Mas a diminuição de utentes não pode ser desculpa para dar continuidade à permissão da supressão de carreiras, em nome da sustentabilidade financeira dos operadores, porque em causa está a “supressão” do serviço público, de forma consentida e até incentivada por esta maioria. Antes deve essa diminuição do número de utentes, ser lida como consequência do desinvestimento no setor, cabendo encontrar uma oferta competitiva em matéria de horários e preços.
São claras as consequências das opções políticas que sucessivos governos têm tomado – têm gerado e continuarão a gerar, a redução da oferta, a degradação da qualidade do serviço e perda de passageiros.
Não é de somenos importância referir que em sede da Autoridade Metropolitana de Transportes, mais propriamente em reunião do Conselho Metropolitano, todos os municípios, independentemente da cor partidária que representam, tomaram posição unânime de desacordo perante as alterações propostas para o setor.
Ao nosso governo há que aplicar a mensagem constante nas passagens de nível “PARE, ESCUTE E OLHE”. Ouvir a população, cumprir e fazer cumprir a Constituição da Republica, faz parte da atuação de um estado de direito, o qual cada vez é mais e só na letra da lei e cada vez menos na prática das políticas de âmbito nacional.
Por onde queremos ir?
R: Queremos um serviço público de transporte, direito constitucionalmente reconhecido que cumpra a missão para a qual foi concebido – prosseguindo o interesse público, as necessidades das populações.
Queremos um modelo de financiamento em que a sustentabilidade do sistema se baseie no aumento da receita gerada pelo aumento da procura, através da captação de novos utentes; e na redução dos custos.
Através da justa repartição dos custos entre o estado, os operadores e os utentes;
Através da diminuição da despesa por via da redução dos custos com os combustíveis e fontes de energia, com outros fatores de produção e revisão da política fiscal;
Através do aumento da receita, por via de preços mais competitivos, aumento e melhoria da oferta no que concerne a número de circuitos e adequação de horários e percursos, entrada dos parques de estacionamento na ‘equação’ (No caso de Palmela, o município diligenciou, tendo já conseguido, através de protocolo com a REFER, a gratuitidade de alguns parques de estacionamento), como fator de facilitação e, logo, atratividade do transporte coletivo.
MAIS, não podemos ignorar outros aspetos, também eles importantes para uma sociedade mais sustentável e inclusiva, tais como:
Num quadro de promoção do desenvolvimento sustentável, equacionar, no estudo em causa, aspetos ambientais e sociais no que concerne o sistema tarifário e a bilhética, nomeadamente:
Comunicação clara e acessível quanto ao sistema tarifário (bem como quanto a outros aspetos como circuitos, horários e intermodalidade);
Produção dos títulos de transporte sustentável quanto aos materiais utilizados;
Acesso e pagamento fácil, inclusivo (Estude-se, a propósito, o caso dos terminais sem operador, com bilheteira totalmente automatizada, em que as características, e até as falhas, das máquinas utilizadas constituem um óbice ou um fardo para as pessoas menos letradas ou iletradas, invisuais) e ambientalmente sustentável, evitando-se deslocações para fora do percurso habitual para aquisição de títulos.
Queremos ver materializado o direito constitucionalmente reconhecido e só!
Pense, reflita, indigne-se, lute pelos seus, nossos direitos, pois todos juntos seremos mais fortes! 
.artigo de opinião de Fernanda Pésinho, Dirigente nacional de “Os Verdes” e Vereadora na Câmara Municipal de Palmela

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